sábado, 22 de novembro de 2008

O Bebado É Que Têm a Razão


Quem é daqui sabe que um dia de intenso calor e aquela lua fritando sua cabeça são garantias de que daqui a 5 minutos ou horas, o mundo inteiro em forma de água vai cair sobre seu corpo. Num dia desses cometi a burrice de sair de casa sem guarda-chuva e me escondi debaixo da varanda de uma casa, conhecendo o senhor José. Para não chamá-lo de aquele homem ou sujeito ou indivíduo, prefiro personalizá-lo. Não nos apresentamos, ele surgiu de repente ao meu lado, comentando sobre a imensa ignorância dos motoristas que buzinavam histéricamente na rua em que estávamos, onde o trânsito mais que caótico dava o ar da sua graça, piorado pela chuva.
- Porra esses caras acham que buzinando o carro da frente vai sumir ou eles vão começar a voar e conseguir sair de lá.
Pelos hálito e fisionomia, o Zé tava bêbado. Mas o que disse era verdade.
- E não é!
Foi minha resposta, de um cara desconfiado, do tipo o que esse sujeito tá querendo? Vou concordar com esse bebado...Maior preconceito da minha parte.
- Meu esse povo é ignorante, fica aí buzinando. E os caras ainda querem fazer a reforma ortográfica.
Pensei no que tinha a ver os caras buzinando com a reforma ortográfica, mas achei melhor parar por aí, pois a viagem estava lá em Bagdá e eu ainda em SP. Também me surpreendi com o Zé, que não vamos esquecer estava bêbado, falando de reforma ortográfica. Novamente fui pego pelo próprio preconceito. E nesse meio tempo concordei.
- O cara não sabe o que é um acento e ainda querem mudar as palavras. Pergunta pro cara o que é habilitação, ele não sabe. Habilita o quê? Tem a ver com habilidade?
Comecei a entender por baixo a analogia.
- Ainda falam de meio ambiente. Falam de diminuir a poluição. Com esse monte de carro ce acha que vai diminuir a poluição? Puta hipocrisia. Eles só querem saber de vender. Facilitam tudo, parcelam em várias vezes, 5 anos de garantia, é vender, vender e vender. E ainda vem me dizer de proteger o meio ambiente. Aqui ó meio ambiente (fez uma banana e deu risada). Eu quero saber do que é meu, não dá pra confiar no homem.
Concordei, era uma verdade absoluta. Então passavam alguns carros de luxo. A rua fica na saída do estacionamento da sede daquele que se gaba por ter se tornado o maior banco do hemisfério sul (pra quem não entende de geografia, o hemisfério sul é o qual se encontram o Brasil, países da África, outros miseráveis de outros continentes e no melhor dos mundos a Austrália).
- Ve só o cara dentro desse carro. Tá achando que tá abalando. Mas ele tá na mesma merda que o outro que tá no carro velho do lado dele. Mas acha que é o fodão. Fodão é o chefe dele, o dono do banco. Ele acha que é alguma coisa, esse executivozinho de bosta. Ele tá na merda, enquanto o chefe dele, que não pega trânsito, que volta pra casa de helicóptero, que passa aqui de vez em quando, tá rindo lá em cima do prédio da cara dele. E lá de cima ele tá pensando: eu paguei esse cara, eu dou o dinheiro do carro dele e ele tá se achando aí embaixo no meio de toda essa gente, ele é um bosta.
Mais uma vez o Zé disse uma verdade e nessa hora conquistou o máximo de minha simpatia, foi quando um ônibus pintou no meio do congestionamento.
- Esse sim é o povo que sofre. Tão tudo lá apertado, esprimido, porque esses merdas querem vender os carros. Carro devia abrir passagem pro busão. É foda.
Sai uma mulher do mesmo bar que o Zé supostamente saiu, atendendo o telefone e abafando o barulho externo com a mão. O Zé simulou a conversa telefônica.
- Ai amor. Eu já não vejo a hora de você chegar em casa. To te esperando.
Dei risada.
- Enquanto o corno trabalha a outra está aí no meio de um monte de macho.
Fez mais um comentário que eu prefiro omitir. Continuou:
- Puta hipocrisia. Não dá pra confiar no homem. Mas quem não presta sou eu. Eu é que to errado. Deixa eu te dizer uma coisa, eu já morri duas vezes. Na primeira eu fui pro céu e São Pedro disse: AQUI NÃO! Na segunda eu fui pro inferno e o diabo disse: DEUS ME LIVRE!! Eu é que não presto e ainda vem me dizer de reforma ortográfica e meio ambiente. Vai se foder porra! É por isso que eu bebo e ando a pé, fizeram a lei seca né!
Eu falei:
- Daqui a pouco vão prender até os bêbados que estão a pé.
E ele concluiu:
- Porra, daí fodeu. Aí eu fico nervoso de verdade. Podem mexer com a reforma ortográfica, com o meio ambiente, mas não venha se meter com a minha pinga. Com minha pinga ninguém se mete!
O Zé é um gênio. A chuva foi baixando e eu fui me despedindo. Desejei boa sorte e agradeci pela conversa (que foi mais um monólogo, melhor e mais divertido do que os que se vê nos teatros com atores globais).
Numa tarde chuvosa de São Paulo pode se aprender de tudo. E eu aprendi que o bebado é que têm a razão.

P.S.: Eu não vejo uma propaganda de carros sem me esquecer do que disse o Zé.

4 comentários:

Jorge disse...

curti, posso publicar no meu blog (com os créditos)?

Marcus Vinicius Pereira disse...

claro

Pocb disse...

Muito Bom, Cap! to adicionando o blog na blogroll.

=]

Marcus Vinicius Pereira disse...

obrigado