domingo, 8 de março de 2009

O Inferno em Paraisópolis

Seguem algumas elucidações sobre o que aconteceu e qual o real motivo (ou reais motivos) da tensão na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, que foi INVADIDA pela polícia numa operação chamada de SATURAÇÃO. Bem, o nome da operação é auto-explicativo e ao contrário do que se lê na manchete dos grandes jornais (vândalos da favela, virada social da polícia???), o buraco é muito mais embaixo (ou em cima?)...:

Um Desabafo


Os passarinhos eu não os tenho ouvido
Todos devem estar acuados em algum cantinho verde descoberto neste território
Hoje tem cavalaria, tem cachorro bravo
O som agora é papapapapapapapa
Há um pássaro de aço sobre a minha cabeça
Sobre a favela este som que faz a vigília todo o tempo
Nas entradas, tudo que é camuflado está explícito
Todos uniformizados
Lá o aço também se faz presente em formato de fuzil
Do céu o som
Dos lados, a imagem do uniforme camuflado, o controle
Aqui dentro, uma só pressão
No peito, na garganta, nos olhos
E no estômago
As pessoas passam olhando para o chão, suas caras estampam a tristeza imposta
A rua que é sempre cheia, com as pessoas de roupas coloridas, está quase vazia
Pouco movimento
Não agüento mais esta máquina na minha cabeça
papapapapapapapa
A cidade Paraíso no seu antagonismo máximo
Contradições, desproporções, uma cadeia ao ar livre,
Contradição...
Os contra e os a favor
Uma garota me diz ao telefone
"Desculpa, ontem eu não fui a aula por causa da guerra"
Escuto e não acredito, aquilo parece um raio dentro de mim.

A guerra

É isto olha, escuta... papapapapapapapapa
Ele não para
Vigia este povo, esta gente com a pele escura
Esta gente quase nua, vigia, controla
A guerra,
É só isto
Aqui são 80 mil, e o espaço.... só um pedacinho de chão
assim ....o Paraíso
Paraisópolis
Todas as pessoas vigiadas, todas as lotações verificadas, cada sacolinha que a humilde senhora carrega tem que ser mostrada, as casas invadidas para averiguações
Humilhação
Por cima, pelos lados, controle, opressão
Debaixo está a pressão, vai explodir, vem explodindo,
E assim vem aquela força e os meninos vão
Seus atos são vândalos, mas o seu inconsciente não
Traz dentro de si o arquétipo do cabresto, a humilhação, a miséria de seu povo,
Lamentavelmente o seu grito é assim...visceral, irracional, é na paulada, tijolada,
Foram vândalos, marginais,
Os meninos sem escolas, nem estas de mentirinha que a gente conhece eles tem, destituídos de muitos direitos
A pressão cresce, e é também um sentimento mesclado, camuflado, que a gente não explica bem
Pressão crescente, desta vez de baixo para cima
Explode em pauladas, tijoladas, incêndios, caos
Atos vândalos
A cidade Paraíso está em explosão
Razão?????
É a guerra tia
É a guerra...
papapapapapapapapapa
Diane Padial, moradora da favela de Paraisópolis, coordenadora do Espaço Esportivo e Cultural Bovespa

Infernópolis: o pecado de ser pobre

Tudo começou com o atropelamento e morte de um garoto que teve duplo azar na vida: nasceu pobre e morreu nos primeiros anos de sua frutífera vida. Seguiu-se ao acidente uma manifestação dos moradores por equipamento público, para coibir novas mortes. Nada mais justo e compreensível.
Na manifestação ocorreram quebradeiras provocadas por garotos que não têm muito a perder, mas não contavam com o apoio dos manifestantes e da Associação de Moradores. Quando se vive no limite, relegado a uma mobilidade restrita numa metrópole repleta de possibilidades, sem a presença efetiva de equipamentos públicos de qualidade, assombrado pela violência, pelo desemprego, miséria, álcool e rendimentos risíveis, a fronteira entre o legal e o ilegal é muito tênue. Não se trata simplesmente de "desvio de caráter", ou de vandalismo inconseqüente como parte da imprensa e a própria SSP fez crer. Mas o teatro estava apenas no começo.
Paraisópolis é uma grande mancha urbana de pequenos casebres, alta densidade demográfica e com indicadores sociais perversos: apenas 0,45% dos jovens entre 18 e 24 anos estão no ensino superior. Em 1991 o índice era de 1,19%. Apenas 20% do mesmo grupo social estão no ensino médio (Moema tem percentual de 84%) e a baixa escolaridade colabora no desemprego: 1 em cada 4 adultos está sem trabalho. A renda média entre seus moradores é de R$ 367,00 ao passo que na cidade de São Paulo o valor chega a R$ 1.325,00. A degradação persistente da qualidade de vida destas pessoas desceu em profundidade abissal.
Ao seu redor encontramos situação inversa: cercada de edifícios majestosos, casas de alto padrão, com imensos terrenos gramados e arborizados, seguranças particulares e abastecidos de total infra-estrutura. Seus vizinhos gastam mais dinheiro num ano em manutenção das piscinas do que o Estado em educação para estes deserdados urbanos.
Cito esta contradição explícita na paisagem da geografia local para reforçar a idéia de que o convívio permanente entre os socialmente desiguais é sempre explosivo, apesar da repetitiva ladainha de que o problema reside na personalidade das pessoas, que a delinqüência vem de berço e a violência está no sangue de alguns. Tolos, não percebem que este mesmo discurso embala as políticas de segurança pública há décadas sem solução definitiva.
Também não façamos coro com a tese dos "dois Brasis", pois as relações entre estes dois mundos são próximas. Trabalhar como doméstica nestas residências é uma das principais fontes de empregos para as mulheres de Paraisópolis e o assistencialismo corre solto e evidencia sua incapacidade em apontar saídas: Kaká doou bolas, ONG´s distribuem alimentos e roupas, a BOVESPA montou uma Biblioteca, Colégio de classe alta da redondeza oferece bolsas de estudos, enfim, ações apoiadas em responsabilidade social que não dão conta de suprir a irresponsabilidade social dos governos constituídos.
Quando carros foram atacados, pneus queimados e comércios destruídos, num ato espontâneo de revolta contra uma realidade insuportável, a resposta foi o show da operação policial. Estar rodeada de ricos e, principalmente, muito próximos do Palácio do Governo de São Paulo, habitado e dirigido pelo Sr. José Serra, foi outro baita azar.
Na ótica do governo, era preciso agir e rápido. Primeiro, a desculpa padrão: a culpa é da própria população que protege os traficantes que atacaram a Polícia. Segundo, uma movimentação policial exemplar: desfile de viaturas pela Marginal do Rio Pinheiros mostrando que o governador não tergiversa, age. Terceiro, a grande mídia entra em cena: como sempre criando cenários que levam à conclusão imediata de que a ação se justifica, e mortos e feridos são inevitáveis.
O mais irônico é que ocupar casas sem mandato de segurança virou rotina, matar jovens suspeitos, uma necessidade, e aterrorizar a população local, um aviso. Minha suspeita é que por detrás deste modus operandi, que se diga não é uma exclusividade de São Paulo, existe uma política mal disfarçada de redução das pressões populacionais por emprego e serviços públicos, que acomete principalmente crianças e adolescentes pelo Brasil afora. São grupos de extermínio institucionalizados e que comumente recebem aplausos de telespectadores confortavelmente instalados diante de seus televisores, e crentes de que o melhor foi feito.
Poderia haver o caminho do diálogo, sem dúvida nenhuma, houvesse interesse do Gabinete do Governador. O Cel. Ailton Araújo Brandão, comandante da ação em Paraisópolis, tem, inclusive, folha corrida a este respeito. Ele foi um dos participantes daquela malfadada reunião ocorrida com a cúpula da Polícia Militar de São Paulo e o PCC, em 2006, quando era Comandante da PM na ponta oeste do estado de São Paulo, justamente onde estavam presos os membros da cúpula da organização. Um ano depois recebeu o título de cidadão prudentino, com direito a almoço e placa da honraria pelos serviços prestados.
O Cel. Brandão apontou seu dedo para as novas tecnologias como culpada pelo sumiço de gravações contra a PM pela morte de 104 pessoas nos confrontos com o PCC. O gravador do 190 falhou e o backup automático também falhou.
Mas ele foi condecorado pela Assembléia Legislativa de São Paulo em setembro de 2007 como Comandante do Policiamento da Capital da Polícia Militar do Estado de São Paulo, junto com o governador Serra. Recebeu importante medalha dos paulistanos, embora o povo de Paraisópolis possivelmente nem saiba que ela exista. Talvez por isso a raiva.
A PF também chegou ao referido Cel. através da Operação Santa Tereza. Em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo foi revelado um esquema de distribuição de ingressos para uma festa de peão no interior de São Paulo com artistas consagrados. O "mimo" era a contrapartida pelo oferecimento de segurança pública a um prostíbulo privado que lavava dinheiro do BNDES na capital. Vê-se, portanto, que o crime maior não está em Paraisópolis, mas em outros lugares, e o Cel. sabe quais são.
A ação da polícia é a síntese de uma imbricada teia de interesses que passa pela definição, a priori, de que pobre em favela é culpado antes de mais nada, de que é preciso fazer alguma coisa contra a criminalidade e é na favela que o tráfico manda. Humilhar pessoas, revistando-as, invadindo suas casas, num show travestido de caça aos traficantes, explicita mais do que uma prática condenável, mas um tratamento de choque para um problema social.
A ocupação da favela de Paraisópolis na cidade de São Paulo, neste começo de fevereiro, é emblemática sobre o papel do tucanato diante dos problemas sociais no estado de São Paulo. Para fazer justiça, o Demo Kassab também foi condecorado na Assembléia Legislativa num ambiente agradável e de confraternização.
Pena que, enquanto alguns desfrutam deste conto de fadas com dinheiro público, outros vivem num inferno constante e são condenados ao castigo da morte lenta e silenciosa. Mesmo vivendo na "cidade do paraíso".
Ricardo Alvarez, professor e editor do Blog Controvérsia - blog.controversia.com.br

Comunidade Paraisópolis saturada

O real motivo que levou jovens moradores a apedrejarem comércios e carros na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo (SP), no dia 2, ainda não foi divulgado pela imprensa e tampouco pela Secretaria de Segurança Pública do Estado. Um fato levantado pela comunidade parece que não ganhou eco nesses meios: a morte de um homem pela polícia e a ocultação de seu cadáver. A família, muito abalada e com medo, não quer falar sobre o assunto.
De acordo com moradores que preferem manter em sigilo suas identidades, a polícia chegou a Paraisópolis atirando. Tanto Marcos Purcino, identificado como foragido da justiça, e o outro homem não esboçaram reação alguma. “Chegaram atirando, nenhuns dos dois reagiram, o outro rapaz era trabalhador e ainda sumiram com o corpo dele, talvez por verem que ele não devia nada a polícia”, relata um morador.
Um dos líderes comunitários da região, que também não quer ser identificado, indaga, “porque o socorro foi prestado a Purcino, que eles sabiam que era um foragido e o outro rapaz que não tinha nenhum envolvimento com o crime teve seu corpo desaparecido. Não tem entrada em hospital, Instituto Médico legal, nada?”.

A deturpação dos fatos

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que vem alegando vários motivos para a realização da manifestação, dentre eles a morte do foragido, os conflitos a mando de facções criminosas e até a troca de um comandante do 16º Batalhão da Polícia Militar, parece querer esconder a realidade.
Segundo o sociólogo da Universidade de São Paulo (USP), Tiaraju D’Andrea, isso se dá pela forma como a polícia contextualiza o ocorrido. “A polícia tentou impor a mais óbvia de todas as versões: a de que um ‘criminoso’ havia sido morto em uma ‘troca de tiros’ e que, em decorrência disso, o ‘crime organizado’ havia ordenado o levante. Enfim, a versão clássica utilizada em qualquer contexto”, comenta.
Conforme revela a própria Secretaria de Segurança, dos nove homens detidos no conflito, entre eles três menores, nada foi provado contra os mesmos, principalmente se faziam parte de alguma facção criminosa ou se estavam se manifestando a mando delas.
Nesse sentido, o sociólogo avalia que isso prova que não é um caso de criminosos, até porque em seu raciocínio ele enfatiza, “não sou em especialista em facções ligadas ao tráfico de drogas, mas realmente tenho dúvidas sobre o caráter da ação. Geralmente esses grupos organizados não se expõem tanto quando realizam uma ação, pois não desejam o confronto direto e nem a presença policial”, pontua.
A comissão de líderes comunitários de Paraisópolis acredita que esse desencontro e as variedades de informação podem ser propositais para a não-elucidação do caso e para manter em foco apenas os atos de vandalismo: “A manifestação não pode ser taxada apenas como vandalismo. Ela foi realizada por jovens da comunidade que estão revoltados não só com a opressão da polícia, mas com o preconceito da sociedade em geral”.
Para o sociólogo, o argumento dos líderes da comunidade faz sentido em relação a manifestação e os seus reais motivos, pois “tudo indica que o ocorrido em Paraisópolis tenha sido um levante popular, protagonizado em sua maior parte por jovens, desejosos de exporem sua revolta, mas sem uma demanda reivindicativa clara ou sem saberem os meios de expressarem publicamente essa demanda”, identifica.
O sociólogo ainda afirma que, indiferentemente do ocorrido, já havia uma pré-tensão na região que só precisava de um estopim para acontecer a revolta. “Qualquer que tenha sido o fato ocorrido no domingo [dia 1º], já existia uma tensão latente nessa população. Esta foi canalizada em um fato ocorrido. Sem uma tensão latente, sem um clima de revolta anterior, o fato não teria servido de estopim”, complementa.
Márcio Zonta, jornal Brasil de Fato

Primeira e segunda parte de vídeos gravados há um ano atrás, com distúrbios em Paraisópolis devido a atropelamentos na região, pelo jornalista Joaquim de Carvalho:

http://www.youtube.com/watch?v=c4KGo6BZ-8Y

http://www.youtube.com/watch?v=AieSGWoK9KM

Como a imprensa noticiou a revolta dos moradores de 1 mês atrás:

http://www.youtube.com/watch?v=3P8nXhJnK8Y